sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

coisas boas que eu gosto de lamber
nada para tudo com
nada meu nada nosso
tudo total
a gente consegue?
a gente aguenta a barra?
a gente aguenta a barra depois que o sol se pôr?
quando você me olha o sol desiste


*último verso de um ménage espectral
O que poderia querer dizer que ficaram acordados a noite toda? Denunciaria
que estavam atordoados pela visão de um demônio, aos seus olhos, que
estavam um no outro? Porque um demônio? Porque o baixar de olhos?
O segredo manteve-se guardado, por algo que pesava no próprio corpo talvez,
mas além de suposições, não posso afirmar o que se passava na cabeça
de cada um, apenas que o silêncio e o partir foram nesses momentos de
proximidade “perigosa” que condicionaram e potencializaram os caminhos
traçados na relação entre os dois e com os demais.


Considerando a possibilidade de haver uma atração sexual recentemente
descoberta entre Raul e Saul, para além do enorme carinho que já sentiam um
pelo outro, percebe-se que mesmo sozinhos havia uma autocensura, os dois
tinham internalizados as merdas todas dos estigmas de gênero e do caralho a quatro, sabiam, por mais que sentissem aquilo tudo que acontecia entre eles como querido e positivo, o contexto em
que estavam inseridos. Entretanto talvez não houvesse mesmo uma intenção
de uma relação homoafetiva (pra dar nomes babacas às coisas) por parte de nenhum dos dois, mas nas duas
instâncias a decisão tomada nesse determinado momento foi de sair e manter,
assim, uma distância seguramente amistosa.


O que se dá em conflito entre os dois e o resto dos trabalhadores da firma
é a agonia, o desconforto com a possibilidade do segredo, a mera suposição
e suspeita de que algo discrepante e indesejado está sendo tramado ali é o
bastante para que haja a repugnância e daí a atitude escrota tomada pelo chefe do departamento.
O não dito, não feito, também está em jogo. O medo de um estigma secreto.

FODAM-SE os manicômios e as prisões

Quando já não havia mais ninguém em volta e a intimidade entre os dois já era
o bastante um desabafou que aquela repartição era “um deserto de almas”, o
outro concordou sorrindo, o r g u l h o s o, sabendo-se excluído.
de um momento em que tudo era abstenção e abstinência, por exemplo
tudo que me remete a esse tempo me enche de uma agonia paralisante
por exemplo sentir um amor, como eu sentiria aos 17
mesmo tendo claras as amputações das quais eu não mais me permito
me sinto fraco e perneta
não posso te mandar ao buraco do inferno
de novo, o problema é essa lama pretérita
que não sai na chuva...
eu vou enfrentar essa, amigo
juro
eu vou dar vexame!

TERÇA-FEIRA, OUTUBRO 05, 2010


eu não quero morrer, pedrinha pequena
tem alguma coisa lá
que eu não sei nem querer
de tão nova, tão móvel
e assim tanto quero
já é outra, já de novo
já me reconheço
não vai me pegar desprevenido
o vento, a onda, nada me arrasta
estou atrás de você, abalo sísmico
paisagem vasta

quero sim ser moldado, erosão quero sim
até parece que sou essência, tá bom
quero não, viu, quero não
Eros caiu por terra há eras aqui
mas eu to num movimento caótico
se pá me bato de novo naquilo e pá
mas sei lá... existe o monte Everest
sabe, pedrinha pequena?

quis dizer que estou indo embora. 
e assim como o rio, nunca voltarei.


(quem sou eu nesses finais drásticos?)