sexta-feira, 29 de outubro de 2010

_ vamo lá. a gente sabe porque você tá aqui, Lu... seu gato morreu. mas você não tá nem aí pra ele, nunca esteve. nem pra mim. você quer que te lambam, só isso.
_ eu não acredito... você tá sendo um idiota. eu não devia mesmo ter vindo. mas eu não. eu sou idiota, porque eu amo você, idiota! você pelo menos pensou na conversa que a gente teve ontem?
_ é, eu pensei. o que mais você quer que eu diga, Lu? sinceramente...
_ não, não. quer saber? deixa pra lá. você acaba virando outra cicatriz. já sou só mutações mesmo. só acho isso aqui uma coisa repulsiva. o jeito que você dá fim em tudo sem nem significar. você desrespeita  a vida, com essa sua pele lisinha sem marcas...
_ Lu... é uma coisa menos bonita que cicatrizes. são calos. não teve sangue, carne viva, regeneração das células... são erros que a gente continua pisando sempre em cima, no mesmo ponto sempre. eu acho isso aqui uma coisa muito triste. você não vai se curar. você vai criar resistência. a algo que poderia ser até benigno, eu diria. se você não insistisse tanto em um único erro. olha só...eu tô atrasado, não vai dar pra continuar com isso aqui. não vai dar pra continuar, Lu. eu tô atrasado.
_ espera! esp.. porra! você nunca...espera!

terça-feira, 26 de outubro de 2010

os bombeiros jogavam água na minha cara enquanto escutava ela falar.
eu queria muito chorar, mas só engolia água, só me afogava.
foi quando senti pela primeira vez que estava com os pés na beira desse meu terraço
foi quando pensei pela primeira vez que nasci para pular dali
que medo banal. pensei que eu fosse mais autêntico!
desculpa, são problemas de linguagem. as palavras estão todas erradas.
ali, me foi entregue um filho. disseram que era meu.
me estuprem com o mastro da bandeira, não vou soltar essa criança
fogo ascendente do meu sonho de ser herói, não bombeiro
aquele tiro, tenente, foi certeiro
aqui enquanto vivo, não tem mesmo planos
vou indo. buscando a mesma força com que
ela enfiou o dedo na cara do governador
a vida não pede favor
ela sabe que ela é terrível
ela sabe. eu não.

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Pablo Neruda

"Tu perguntas
o que uma lagosta tece lá embaixo com seus pés dourados?
Respondo que o oceano sabe.
E por quem a medusa espera em sua veste transparente?
Está esperando pelo tempo, como tu.
“Quem as algas apertam em seu abraço…”, perguntas
“mais firme que uma hora e um mar certos?” Eu sei.
Perguntas sobre a presa branca do narval
e eu respondo contando como o unicórnio do mar,
arpado, morre.
Perguntas sobre as plumas do rei-pescador
que vibram nas puras primaveras dos mares do sul.
Quero te contar que o oceano sabe isto:
que a vida, em seus estojos de jóias,
é infinita como a areia incontável, pura;
e o tempo, entre uvas cor de sangue
tornou a pedra dura e lisa encheu a água-viva de luz,
desfez o seu nó, soltou seus fios musicais
de uma cornucópia feita de infinita madrepérola.
Sou só a rede vazia diante dos olhos humanos na escuridão
e de dedos habituados à longitude
do tímido globo de uma laranja.
Caminho como tu, investigando a estrela sem fim
e em minha rede, durante a noite, acordo nu.
A única coisa capturada é um peixe preso dentro do vento."

sábado, 2 de outubro de 2010

não vou escrever uma poesia. as coisas mudaram de cor. não é uma metáfora. as coisas mudaram de cor.
o sol estava roxo, o céu da madrugada estava laranja. não é invenção minha dessa vez. sei que deveria ser assim, mas tem sido assado. que posso fazer?
me banharei da chuva mais ácida primeira que cair. e escorrerei junto com ela, até o coração de algo profundo, abaixo do asfalto. aí sim, aí sim será poesia. e vocês todos verão.