quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

as pausas da sua poesia são sempre o tempo de uma tragada no cigarro. esse foi meu último cigarro. eu quero fumar você.

domingo, 26 de dezembro de 2010

você não vai mesmo aparecer né, seu puto?
tirou um pedaço de papel da bolsa, arrancou parte do chiclete que estava preso na sola do sapato, uma leve tropeçada, continuou andando.
não conseguia deixar de sexualizar tudo e assim como uma lata de cerveja vazia morria de raiva.
queria ir embora da cidade. pra fazer falta. coisa ridícula. jogou o cabelo pra trás, continuou andando.
mas lembrou quando usava aquela blusa social azul marinho e o jeito que o pano socado na calça contornava sua barriga e como gostava daquela barriga e lembrou dos nós dos dedos e do lábio superior e de quando o convidou descaradamente e ele simplesmente...quis pegar o celular e ligar a g o r a
não, não, juvenil... os prédios ficam cada vez mais altos, a cidade está sem limites.
o sinal fechou
continuou andando.

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Elizabeth Bishop - One Art

One Art Elizabeth Bishop
The art of losing isn't hard to master;
so many things seem filled with the intent
to be lost that their loss is no disaster.

Lose something every day. Accept the fluster
of lost door keys, the hour badly spent.
The art of losing isn't hard to master.

Then practice losing farther, losing faster:
places, and names, and where it was you meant
to travel. None of these will bring disaster.

I lost my mother's watch. And look! my last, or
next-to-last, of three loved houses went.
The art of losing isn't hard to master.

I lost two cities, lovely ones. And, vaster,
some realms I owned, two rivers, a continent.
I miss them, but it wasn't a disaster.

-Even losing you (the joking voice, a gesture
I love) I shan't have lied. It's evident
the art of losing's not too hard to master
though it may look like (Write it!) like disaster.


Tradução de Paulo Henriques Britto

A arte de perder não é nenhum mistério;
Tantas coisas contêm em si o acidente
De perdê-las, que perder não é nada sério.
Perca um pouquinho a cada dia. Aceite, austero,
A chave perdida, a hora gasta bestamente.
A arte de perder não é nenhum mistério.
Depois perca mais rápido, com mais critério:
Lugares, nomes, a escala subseqüente
Da viagem não feita. Nada disso é sério.
Perdi o relógio de mamãe. Ah! E nem quero
Lembrar a perda de três casas excelentes.
A arte de perder não é nenhum mistério.
Perdi duas cidades lindas. E um império
Que era meu, dois rios, e mais um continente.
Tenho saudade deles. Mas não é nada sério.
– Mesmo perder você (a voz, o riso etéreo que eu amo) não muda nada. 
Pois é evidente
que a arte de perder não chega a ser mistério 
por muito que pareça (Escreve!) muito sério.
    
mais um dia a imaginar se fora do abismo que vejo na beira da minha cama monstros barrocos se debatem famintos de mim ou arquipélagos místicos me esperam em delícia.
meu lençol já foi capa, vela, pele, mortalha. e dentro já tremi de frio, já me encolhi de medo, já gritei de ódio.
sei que lá fora a tv está ligada, sei que a mesa está posta. sei que na rua um bando de pássaros se movem coletivamente para um lugar comum.
mas eu, pequeno esquizopríncipe inerte, vergonha da nobreza falida:
espero que me estupre, bárbara.
depois coma minha carne crua ou me jogue no lixo.
Poderíamos ter entrado naquela casa. tenho certeza de que estava abandonada.
poderíamos ter feito dela nossa. temos esse direito. é lei, sabia?
mas sabe que não adiantaria... é, pensando bem agora...
o que nos falta não é chão, nem teto. isso nós  temos demais até.
nos falta olhos e mãos e bocas e pernas e dentes. e isso ninguém dá pra gente não, amigo.
num sei nem se isso se planta. é outra coisa, que a gente mesmo faz com a gente.
deixa aquela casa lá onde ficou, né? vamos se fazer, amigo! vamos procurar!
vamos dançar na história.

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Henfil - Cartas da Mãe.

São Paulo, 9 de janeiro de 1980.
Mãe,
     Sem piadinha. Vou me abrir.
     Eu tenho acordado de uns seis meses para cá sem ânimo, sem esperança, sem vontade de brilhar, de lutar, de mudar a Lucinha, O Brasil, o mundo, o universo!
     Muitas noites eu não durmo, assombrado. Pensando assim: tô ficando velho, é isso. Talvez o pessoal odara tenha razão e eu já seja coisa antiga.
     Passo então a pensar angustiado em como enfrentar minha velhice tomando fortificantes, complexo B, mudando meu guarda-roupa.
     Bão.
     De repente eu percebi que o mano Betinho e a Maria também estão de farol baixo.
     Aí, anteontem, pego o jornal e vejo o resultado da pesquisa Gallup que dizia que 71% dos brasileiros estão pessimistas. Há uma epidemia de desânimo e impotência assolando o país nesse exato momento!
     O atual sistema, para governar, nos fez pessimistas. E pessimista não dorme, não faz amor, não faz partidos, não incomoda, não reclama, não briga.
     Que diabo de país é este?
Pessimistas de todo o Brasil, uni-vos! Somos a maioria! Às ruas!
Henfil

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

gosto de uma foto sua...
que vc ta deitado acho, com a mão em direção à camera assim
parece que ta chamando
e da mesmo vontade de ir

_é pra vir! rs
eu tava sem olho naquela foto
tava morto
tipo como tô agora
morto e feliz
tem gente que passa a vida inteira esperando ajuda.
a vida inteira
es pe ran do
ajuda

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

quando eu cheguei aqui, sabendo que era só mais uma prisão, não dei importância pras janelas. porque não queria alimentar outra fantasia e acabar levando um soco no estômago e uma pancada na cabeça.
e foi bem você que eu ignorei. loucura essa da sopa que eu me refogo. não consigo tirar esse gosto de mim.
tem que ter um salvador, tem que ter o sol listrado pelas persianas de manhã e etc. te ignorei por que sabia que te quereria e sabia que me diriam mais uma vez que era louco e sabia que me violariam tantos outros direitos que penso eu ter. mas tenho mais medo da surra. porque?
algo aqui já estava claro desde o início. não daria certo. loucura não tem cura. não adianta me amarrarem numa camisa social, num sapatinho de couro. porque quero meu corpo despido e tudo. e de preferência junto ao teu.

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

olha rodrigo, você é uma pessoa de caráter, dignidade, personalidade forte, atitude, íntegra e ética e ...realmente super sensacional, muito louvável. tá muito de parabéns.
mas não, rodrigo. não tenho vocação pra monumento tombado.
prefiro andar daqui até o inferno a ficar em pé, plantado, esperando o diabo.
vê? que eu não posso, depois de quebrar meu espelho em incontáveis cacos e gritar aos sete ventos que quero mais, sentar minha bunda nessa porra de poltrona e sorrir assim largo por ser um indivíduo. que isso!
eu quero evaporar, rodrigo. quero me misturar nas coisas todas, que são e não são.
você é uma estátua linda, rodrigo. mas eu queria te quebrar inteiro. e ia acabar sendo preso. sempre acabam dando um jeito de prender a gente, né. acho que você sabe... ou nem sabe. imagina! não há morte pior.
não caibo nessa vida, rodrigo. é só isso... mas não se preocupa comigo.
não tem problema não, viu? se um dia você aprende a respirar, você acaba me engolindo.
Abraços.
quando eu fiz tudo aquilo, eu só queria saber se você apanhava um peixe que tivesse pulado da água do aquário pro chão, um peixe que renegasse a água... queria saber se você jogava o pobre de volta no vidro ou se apenas olhava fundo nos seus olhos esbugalhados e dizia: te amo.

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

desceu as escadas rumo ao cárcere do desejo. a cada degrau tirava uma peça de roupa.
não era exatamente frio, mas tremia. não era o clima, era o dentro.
quantas vezes prometeu jamais voltar àquele lugar. e já fazia muito tempo mesmo.
mas não conseguia ignorar por completo que ali embaixo residia algo vivo.
a pressão la embaixo era absurda: respirava mal, andava curvado.
em parte queria não achar nada, não queria ver um cadáver, mas queria que estivesse morto.
mas sabia que não, não morreria. sentia o cheiro da fome.
ficando quente, quente, insuportável.
tapou os olhos, não quis ver sua cara. seu odioso! seu débil!
deixou um copo de água. que o mantinha vivo, mas fraco, e limpo.
de olhos fechados estendeu os braços pra frente, tateou o ar por instantes
sentiu que algo se movia em sua direção, a barriga tremeu, a perna falhou
vontade, vontade e medo, e ódio. seu doente! seu fraco!
correu de volta o mais rápido possível, subiu as escadas de dois em dois degraus.
quando chegou lá em cima, uma luz perfurante
esqueceu que estava nu no meio da amplidão
a luz queimava a pele.
não conseguia enxergar mais nada
só queria voltar, só queria chão, queria baixo
queria sujo, queria vontade, escuridão.

(david wojnarowicz)

domingo, 28 de novembro de 2010

nunca tinha percebido o quanto sua poesia é ruim.
hoje percebi.
e quanto tempo eu gastava vasculhando beleza nelas,
deve ser porque não tinha beleza nenhuma mesmo
como o amor me deixava paciente!
cheguei a comprar uma calça vermelha.
seu escroto!
você é um sádico de merda.
você é uma pedra.
odeio suas mãos, odeio seu cabelo, odeio sua timidez forçada, sua insegurança falsa, odeio todas as suas qualidades, todos os seus defeitos, tudo que em você me lembra a mim. odeio tudo.
preciso ainda aumentar essa lista
quero ver se isso gruda na minha cara. vai ver facilita.
assim você não faz essa carinha de cachorro ridícula
assim eu não teimo em te levar pra casa e te dar comida.

sábado, 27 de novembro de 2010

passei a noite inteira procurando aquela calça vermelha
era nela que eu queria deitar minha cabeça gigante
passei a noite de bico, fazendo amarguras
ai, calça jeans vermelha que anda triunfante
se te acho e te finco, me amas? me juras?
não tem lar onde carla caminha
é só a cidade que se faz de seus passos
a paisagem que os outros, com um medo subconsciente, contemplam
onde carla caminha se faz
e se nega acabar na pele, se nega amadurecer com o tempo
são os outros que a julgam selvagem
é do externo que surge a margem
carla sozinha pé de chão
não se cala, carlinha
não perde o carinho
carla trator carla leão
não tem ar onde carla se aninha
e é só liberdade que se faz

terça-feira, 16 de novembro de 2010

não acredito mais em nada, sabia?
e tá foda viver assim
vale dizer que a culpa é sua?
quando no dia em que nos conhecemos olhou por mim e disse
que era melhor que tivéssemos trepado antes de ter apertado as mãos e trocado nomes
e aí eu falei que me cansava muito fácil das pessoas e nunca amaria ninguém, só pra te impressionar
foi quando tudo começou a dar erradamente certo
e no outro dia quando te vi agachado no banheiro com as calças no tornozelo procurando papel higiênico embaixo da pia e o cigarro já metade cinza em cima da descarga e seus resmungos barbados
me vi casado com você e tive uma tontura que quase me derrubou
antes fosse a primeira vez que pensava em desistir de tudo
um fato novo é que agora tudo era muito mais tudo.
porque tudo errado era extremamente excitante, inclusive o fato de pensar ser tudo muito certo
aí comecei a usar a palavra amor. erro fatal.
não dava pra nos enquadrar nesse conceito medieval
e querer isso foi o que nos matou
ia falar da primeira vez que te achei bonito, mas acho que confundo com a última
é o que me resta desse nosso coma erótico alcoólico
um quisto amor que nunca seria fecundo
e apodrece agora dentro de uma camisinha
no lixo do seu banheiro
queríamos desconstruir e mudar tudo que pudéssemos
começamos por nós mesmos
e aí, deu no que deu
gozei dias inteiros e matei milhões
ai, inexplicabilidades do corpo. ai, alma.

domingo, 14 de novembro de 2010

_ você me avisa quando doer, hein
_ claro
...
_ caralho, eduardo! ta sangrando! cê é maluco? porque não falou nada?

domingo, 7 de novembro de 2010

urbano, você é tão familiar e parte minha, mas tão labiríntico e inexistível.
porque de certa forma te separo de alguma outra coisa, mas você é inseparável.
então é só um nome diferente que te dou pro que na verdade é tudo.
hoje uma criança quis arrancar um cigarro da minha mão, ela disse que eu ia morrer.
eu disse que já ia morrer de qualquer jeito. porra, esqueci que era uma criança.
mas eu já tinha nojo de seus pais de qualquer jeito me senti menos culpado.
sentado tomando uma sopa ele estava fazendo um ponto bonito
o que havia esfaqueado um lavrador no Pará era tímido e gentil
o santo caridoso sorria e me dava vontade de cometer um atentado terrorista
mas aquilo ia fazer bem demais para o seu ego
era ali que se encontrava o desconhecido, o cotidiano, o meu medo, o meu futuro, a minha linha e a minha agulha
o lugar inteiro era azedo e cego
tudo ali que se dizia ser era não-ser, quem ali estava era de passagem
o santo sempre com o sorriso disse
vamos agora alimentar sua cabeça, sua alma...
e aí foi como se das paredes saíssem crianças em fogo querendo te arrancar cada uma algo diferente e vital, como tudo.
pra te salvar do mundano,
mas você é o e do mundo

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

escrever amor em neon na parede do seu quarto. porque quero que não durma. quero que se incomode com a luz e a persistência da minha própria insônia. quero que encha de mosquitos sua parede nesses dias de chuva. e quando, há dias sem dormir, já não souber mais distinguir o whisky do gelo e sair voando por impulso em direção àquilo. te esmago na palma das mãos. e esperneio no chão. pedindo mais, mais, mais....

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

_ vamo lá. a gente sabe porque você tá aqui, Lu... seu gato morreu. mas você não tá nem aí pra ele, nunca esteve. nem pra mim. você quer que te lambam, só isso.
_ eu não acredito... você tá sendo um idiota. eu não devia mesmo ter vindo. mas eu não. eu sou idiota, porque eu amo você, idiota! você pelo menos pensou na conversa que a gente teve ontem?
_ é, eu pensei. o que mais você quer que eu diga, Lu? sinceramente...
_ não, não. quer saber? deixa pra lá. você acaba virando outra cicatriz. já sou só mutações mesmo. só acho isso aqui uma coisa repulsiva. o jeito que você dá fim em tudo sem nem significar. você desrespeita  a vida, com essa sua pele lisinha sem marcas...
_ Lu... é uma coisa menos bonita que cicatrizes. são calos. não teve sangue, carne viva, regeneração das células... são erros que a gente continua pisando sempre em cima, no mesmo ponto sempre. eu acho isso aqui uma coisa muito triste. você não vai se curar. você vai criar resistência. a algo que poderia ser até benigno, eu diria. se você não insistisse tanto em um único erro. olha só...eu tô atrasado, não vai dar pra continuar com isso aqui. não vai dar pra continuar, Lu. eu tô atrasado.
_ espera! esp.. porra! você nunca...espera!

terça-feira, 26 de outubro de 2010

os bombeiros jogavam água na minha cara enquanto escutava ela falar.
eu queria muito chorar, mas só engolia água, só me afogava.
foi quando senti pela primeira vez que estava com os pés na beira desse meu terraço
foi quando pensei pela primeira vez que nasci para pular dali
que medo banal. pensei que eu fosse mais autêntico!
desculpa, são problemas de linguagem. as palavras estão todas erradas.
ali, me foi entregue um filho. disseram que era meu.
me estuprem com o mastro da bandeira, não vou soltar essa criança
fogo ascendente do meu sonho de ser herói, não bombeiro
aquele tiro, tenente, foi certeiro
aqui enquanto vivo, não tem mesmo planos
vou indo. buscando a mesma força com que
ela enfiou o dedo na cara do governador
a vida não pede favor
ela sabe que ela é terrível
ela sabe. eu não.

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Pablo Neruda

"Tu perguntas
o que uma lagosta tece lá embaixo com seus pés dourados?
Respondo que o oceano sabe.
E por quem a medusa espera em sua veste transparente?
Está esperando pelo tempo, como tu.
“Quem as algas apertam em seu abraço…”, perguntas
“mais firme que uma hora e um mar certos?” Eu sei.
Perguntas sobre a presa branca do narval
e eu respondo contando como o unicórnio do mar,
arpado, morre.
Perguntas sobre as plumas do rei-pescador
que vibram nas puras primaveras dos mares do sul.
Quero te contar que o oceano sabe isto:
que a vida, em seus estojos de jóias,
é infinita como a areia incontável, pura;
e o tempo, entre uvas cor de sangue
tornou a pedra dura e lisa encheu a água-viva de luz,
desfez o seu nó, soltou seus fios musicais
de uma cornucópia feita de infinita madrepérola.
Sou só a rede vazia diante dos olhos humanos na escuridão
e de dedos habituados à longitude
do tímido globo de uma laranja.
Caminho como tu, investigando a estrela sem fim
e em minha rede, durante a noite, acordo nu.
A única coisa capturada é um peixe preso dentro do vento."

sábado, 2 de outubro de 2010

não vou escrever uma poesia. as coisas mudaram de cor. não é uma metáfora. as coisas mudaram de cor.
o sol estava roxo, o céu da madrugada estava laranja. não é invenção minha dessa vez. sei que deveria ser assim, mas tem sido assado. que posso fazer?
me banharei da chuva mais ácida primeira que cair. e escorrerei junto com ela, até o coração de algo profundo, abaixo do asfalto. aí sim, aí sim será poesia. e vocês todos verão.

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

oi, desculpa te acordar...desculpa, não é justo que só por que eu me cansei de sonhar, atrapalhe você também... não, não é justo mesmo. desculpa. vou desligar.

sábado, 11 de setembro de 2010

como eu gosto de aguar as plantas! elas precisam de água e eu dou água. é fácil. elas sorriem tão fácil, ficam moles de prazer.
provavelmente isso aqui era um deserto há centenas de anos. deus abençoe a água encanada!
é real agora.tenho água em minhas mãos e escorre o orgasmo de gerânio. penetrando na terra.
tão seca estava. não mais.
eu tava pensando quanto é forte que a gente possa gozar de um sonho, sem nenhum toque. talvez a gente possa também se alimentar, talvez não seja preciso nunca acordar.
será que a tecnologia um dia também nos oferece essa escolha?
eu acordei me sentindo tão bem hoje. estava vindo mesmo de um lugar muito bonito. aí vi arthur entrando no quarto. vi com tanto prazer. falei um oi macio, como quem chama, como quem abençoa. mas arthur já estava com as portas fechadas desde cedo. já tinha saído pra comprar o almoço, já tinha enfrentado filas, já tinha xingado alguém no trânsito. me disse bom dia, me ajuda a arrumar a sala? tá uma bagunça e minha mãe chega em uma hora!  ele foi delicado, mas em outra dimensão.
eu vinha das mãos de um semideus de olhos e cabelos brancos. tinha uns dez metros e eu ficava rolando na palma de sua mão. cada vez que ele chegava perto sua boca fina púrpura e soprava uma brisa fresca sobre mim eu gozava litros de luz, e rolava por cima , ele me lambia inteira... arthur calçava chinelos e usava uma bermuda de poliester e andava sem pensar no ato de andar. arthur tinha ligado a tv porque não gostava de silêncio na casa. arthur não estava alegre nem triste. como eu gosto de arthur. não sabe nada quase. como eu gosto de arthur!
bonito, crescido e ingênuo riscou uma linha no meu corpo. não me aguentou inteira. mas eu o entendo, lhe ofereço meus pedaços. afinal fizemos um pacto.
um dia terei filhos com arthur, mas não serei mãe deles por inteiro.
só da parte que arthur escolheu para si.
que assim seja, pra sempre aguarei plantas e morrerei de sede dos homens.

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Leo dormia tranquilo por baixo de limpíssimos lençóis azuis.
Súbitamente desesperadamente assustadoramente acordou com as explosões e caiu da cama.
Era Paula. Que, calçando apenas um scarpin de couro preto 15cm, jogava bombas de efeito moral em seu quarto.
E ria, ria loucamente. ainda mais sonoro e ainda mais profundo quando saiu desfilando nua pelas ruas de braços abertos.
...ela. tudo por culpa dela! que delícia, posso dormir em paz agora.
tava pensando, na real...que a gente coloca os sentimentos. todos os sentimentos dos homens do mundo inteiro, na real. a gente faz um templo. coloca num altar esplêndido. e aí é tudo lindo. é tudo arte, é tudo sublime trágico devastador mágico apaixonante e o diabo.
não é, sabe? outro dia pesquei uma conversa da mariana, ela disse: nossa, ele podia dizer qualquer outra coisa. mas ele não tinha o direito de dizer que ela era gorda. não tinha esse direito!  e ela balançava a cabeça, tava indignadíssima mesmo. e eu não movo uma palha, sabe? ele tinha o direito sim. como se ferir os sentimentos dela fosse uma catástrofe monumental. um genocídio. foda-se! magoar alguém, meu deus, é horripilante. não é. que diferença faz? não vou sair por aí também, buscando o mal pros outros. não sou infernal assim, você sabe. é só que isso é inevitável e não haveria de ser diferente. esse teatrinho incorporado me incomoda tanto. esses recalques, todo mundo medindo palavrinhas. e é por isso que rolam explosões assim. as vezes voa um sapato na cabeça de alguém, ou se quebram vidros de perfume. porque alguém foi franco sem se preocupar com os sentimentos de outra pessoa. "aaai são os meeeus sentimentos. você não sabe por tudo que eeeeu passei!". se enxerga guria, sério. todo mundo passa por muita coisa. e tudo tem medidas diferentes pra cada pessoa. vai ficar chorando aí até quando. i n f a n t i l. é, é como insulto mesmo. não vai ficar esperando que eu te lamba!
morte à santificação dos sentimentos. ela não me quer! me sinto triste. me sinto tão tristinho. ela vai me achar um fracassado! meu deus meu deus. alguém alguma vez na história exagerou um pouco só pra brincar de poesia e acharam que era isso a vida de verdade. a resposta pra tudo. a resposta pra deus. que se perdeu na evolução da raça humana. ta aí. a gente tem que parar de pensar que é gente. a gente não é. inventaram isso aí, mas é tudo fantasiazinha de história de criancinha mesmo. mas ninguém cresce. a gente é que nem planta e bicho e máquina. só que a gente inventa lenda. você vai me achar um monstro mesmo agora. mas acho ridículo quem chora em um enterro. chora porque? nunca mais vou te ver! tudo que ele perdeu! tinha tanta coisa pra viver ainda! primeiro, que egoísmo! ai, meu sorvete acabou, mas eu quero outro, eu quero! depois que não adianta ficar se lamentando porque os planetas giram em torno do sol, né. ninguém nunca disse que era de outro jeito. ai, me dá uma preguiça. pessoa. coisinha grudenta incurável! nunca para de querer o colinho da mãe. espera, vo ali vomitar e já volto!...também. que cansei de ficar aqui me explicando pra mim mesmo e me tratando na segunda pessoa. já me acho gentinha. hahaha, ridículo! mas vou, vou respirar profundamente. passarei anos inspirando, outros anos expirando. vou ganhar meu dinheiro sujo das mãos dessa gente tosca. vou me fazer no buraco mais obscuro e encardido da terra. vou plantar duzentas plantas lindas ao meu redor. vou ser amigo de animais. não consigo imaginar maior felicidade e realização. dormirei, dormirei em paz agora. e nunca, nunca rezarei! hahahaha...

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

ela era tão intensa que a chamei de vida, pra lembrar de como deveria ser.
mas quando depois a reencontrei:
vida queria morrer

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

existe um furacão fundamental imperceptivelmente grande. é na extremidade última de sua cauda que se encontra eu. e é do mais profundo invisível de mim que uma revolução se fermenta, quando todo o universo se tornará de cabeça pra baixo. e outro furacão tanto mais infinito se formará e completará seus ciclos no externo interno de tantos outros e outros eus.

terça-feira, 3 de agosto de 2010

Casamata

coturnos amarrados com força, barba feita. de onde virá? um projétil, um míssil teleguiado...
resta permanecer firme e esperar. ou será a própria carne que o trairá? que virá de dentro? melhor que caia um boing no telhado, do que essa carta chegar.
tanta bala que já foi rebatida com bala. ainda chora estilhaços ainda às vezes enquanto prepara o almoço ou o jantar ou o café da manhã, que diferença faz?
Cutty Sark sem gelo e marlboro vermelho, dentro da casa caem raios e chove ácido. marulhoso. sobreviveu a tormentas que já não sabe se deveria ou não sabe os propósitos. Ah, marinheiro. como te enganaste assim? sereias e castelos de areia. marinheiro, marinheiro. de filho desgarrado a fuzileiro naval. como te enganaste! subverter crimes assim por tanto tempo o confundiu inteiro. não devo nada a ninguém tem nada com isso! ninguém entra ninguém sai. Ah, quanto orgulho teria meu pai, e o pai do meu pai. que sou rocha! minha dignidade está intacta. não sei porque as gaivotas que vejo da janela logo se transformam em abutres. atiro e mato todos! mas eles sempre voltam. passam bem perto da janela voando devagar. com algo no olhar que me lembra num sei se minha mãe, minha mulher ou minhas filhas. rocha, que me quiseram ter rocha me fizeram, foram! que não cheguem perto, acompanhadas daquele burocrata! sim sou eu, é minha, minha a casamata! não admito. não permito. não tolero. nenhum crime, nenhum crime! não é certo não é direito. jovem imprudente inconsequente abre o olho! se quiser entrar, será sob meu regime!


meu deus marinheiro, quanto tempo faz que negastes terra firme?

sábado, 31 de julho de 2010

estamos. o sol ilumina mas não esquenta. fica tudo mais leve. mas é difícil se mexer
parece que falta força. há um leão ao pé da cama. mas eu não acredito nele.
não precisa dizer nada. não diga. eu vejo. comunicação se dá em milhões de formas. conexão não pressupõe comunicação. não precisa arranhar. não precisa apertar. fico caído aqui por cima. só respirando suando absorvendo. é só saber e sentir que você e tudo que representa: está junto.

segunda-feira, 26 de julho de 2010

entropia, socorro!
falso falso falso falso falso falso falso.
falha falha falha falha falha falha falha.

deixa
a gente não pode com tanta luz, a gente acaba os dois cegos.
a não ser que seja sonho, e os olhos já estarão fechados mesmo.
e aí até melhor.

sexta-feira, 23 de julho de 2010

Ícaro o caralho
eu não quero voar
uma cerveja, uma vodca
quero vomitar até secar
como eu posso tanto e não quero e não faço
me dividir em partes virou hábito
eu não sou um só?
não dá pra ser simples?
me separe em milhões com seus dentes afiados
porque eu gosto quando me morde, gosto quando me arranha
e eu te xingo te mordo te rasgo um orgasmo
e aí eu paro
o ponteiro dos minutos dá um engasgo
sabe, eu nem quero voltar
eu sou o filho da puta
que fudeu com a minha vida
viver com isso talvez redima a culpa
e que bom que você cresceu
que bom que aprendeu a andar
logo logo eu vo vomitar
é melhor você sair
a vida é muita linda

domingo, 11 de julho de 2010

era uma tela toda pintada de preto. alguém falou que representava ausência. mas nem isso. porque pra ela era um espelho. depois da exposição sentaram todos num gramado. se olharam todos em silêncio depois riram, riram muito. na verdade era tudo muito chato. porque tudo tinha um formato. tem uma linha invisível que faz um contorno em tudo do mundo. andaria nua ultrapassando fronteiras na américa, nadaria o atlântico a pacífica, explodiria em guerra. mas estava ali sentada. queria ter um demônio no corpo. passar a perna por cima da cabeça , gozar na cara de todo mundo. alguém falou alguma coisa interessante. não que valha muito a pena. mas algo sobre ser o que se é. puta merda! ser. que banal. olhou pra cima e sabia que existiam coisas que ninguém fazia a menor idéia. sentiu-se queimar por dentro.
o amar existe. mas não sabe como flui.


um dia ainda explodo em ondas de desejo.

segunda-feira, 5 de julho de 2010

eu conheço essa luz azul
foi ela assim que eu vi
assim que nasci.
e se ela ainda lembra, ainda existe
mas ela não está aqui
isso podia ser bastante triste
mas não
num é nem substituir nem reconstruir
na real não sei
sei bem, que eu me rendi
dessa vez de olhos abertos
pra olhar pra você e não pra mim.
aí quando se escondeu na minha nuca
eu perguntei _Quem é você!
querendo saber quem era eu

segunda-feira, 21 de junho de 2010

silêncio.
consegue ouvir?
outro incêndio
o ar queimando
Brasília anda muito seca
muito muito seca
outro dia eu quase peguei fogo
ele quase pegou fogo
sozinho
dizem que faz bem
faz renovar
frutificar...
ontem antes de dormir, eu pensei que pudesse amar Leonardo, pensei que fosse Amanda, pensei que fosse fácil, pensei em largar tudo, pensei em voltar pra Bahia, voltar pra São Paulo, pensei em me demitir, me divorciar.
ontem antes de dormir no meio-fio, fiquei olhando a grama crescer, a grama extensa, o terreno vazio, o prateado da lua, do meu prazer, da sua pele fria. fiquei pensando na cidade inteira crescendo. lembrei o quanto crescer dói. a dor nos ossos, nos sonhos. me senti criança, me senti crescendo.
aí eu vi o silêncio gigante de Brasília e dormi quase que instantaneamente, foi como uma pancada na cabeça.
vi tantas cores, você dançava tão livre por entre as luzes e os sons que tomavam forma e te imitavam. era frevo, maracatu e baião. era bossa, choro, riso, contemplação...pensei em ficar. dançar pra sempre com você. pensei no quanto a gente ainda vai crescer...
depois que o fogo apagar
depois que a fumaça sumir
assim que eu acordar
pra viver

domingo, 13 de junho de 2010

um cachorro preto faminto preso
latia, se debatia, e rosnava.
apenas um metro depois da sua corrente esticada,
parado sereno livre, havia um gato
que tranquilo profundo virou o pescoço e me olhou
(   )
por um instante eu fui o gato me olhando
com sete vidas pela frente
de um jeito invasivo alheio indecente
só me olhava, me olhava
e não via nada
não via nada.

domingo, 30 de maio de 2010

Quando começaram a lançar as bombas uma apertou a mão da outra e disse:
não me solta, não me s o l t a!
aí o brasil explodiu.
restou um minúsculo pedaço de terra ilhado,
cercado por um grande nada no meio da américa do sul.
em pé, estavam elas
enraizadas no centro da terra nua
abraçadas, onde só caberia um,
fizeram um país, um continente,
um mundo novo.

terça-feira, 25 de maio de 2010

era um salão imenso
minha vida inteira dançava
no silêncio
universos chegavam sorrindo
se abrindo, pedindo gravidade
e juro, era lindo
quanta porta aberta, quanta novidade
mas
quanto importa saber a verdade?
quero o planeta mais distante
eu não quero estrelas e cometas
dá pra entender?
não tenho sexo
meu sexo é você.

segunda-feira, 3 de maio de 2010

essa é a vida, pensou. Nana Caymmi cantava Fruta Boa.
chegaria rápido em casa: faria salmão e purê de batata baroa
tiraria todas as roupas e assistiria televisão no sofá até dormir.
estava em paz. era o que merecia, é. a vida rimava com tudo
e sorriu com os olhos...
Porra! não é nada disso! por pouco não acertou um poste.
voltou sambando pra pista e agora tinha um barulho insistente,
parecia haver alguma coisa solta.

parou o carro no acostamento. e tudo passava rápido demais perto demais.
não podia abrir a porta e ver o que tinha de errado lá fora.
os carros não paravam de passar.
deixou-se afundar no banco. deixou-se respirar.
se fosse filme estaria chuvendo, mas não. essa é a vida, disse.
Ella Fitzgerald cantava Sophisticated Lady
olhou pelo retrovisor, as luzes não paravam de passar e não tinham pena.
vai demorar até conseguir voltar para o fluxo, pensou.
vai demorar, disse.

quinta-feira, 29 de abril de 2010

não quero me colocar em nenhuma caixa
nem quero abrir nenhuma
se eu abrir, vou assumir que existe
ela deve apenas sumir
não tenho medo do infinito.
prefiro me sentir pequeno
 
se desmistificar é meu novo horizonte
vou andar andar
sabendo que nunca chegarei lá
vai ser como beijar você
enquanto penso numa desculpa pra ir embora
só que dessa vez sou eu
tentando me livrar de mim
pra finalmente me encontrar.

terça-feira, 27 de abril de 2010

hoje eu queria uma música infinita.
meu ipod tem 6,5 dias de música. eu passaria esses seis dias e meio escutando todas
mas corro o risco de desaparecer.
tudo me lembra aquilo tudo me lembra aquele
cada final de música parece estar tirando um pedaço da minha pele.

quinta-feira, 8 de abril de 2010

Ele todo relativo, todo dúvida e não saber
e ela toda incorporada em si, toda pontos finais.
Eu, que já não aguento falar de amor, vou só dizer:
foi assim que Pedra entrou na vida de Vento:
rasgando.

quinta-feira, 1 de abril de 2010

estávamos eu e você nos encarando. eu, no terraço do meu prédio. você, no do seu.
nós podíamos ter descido as escadas correndo, nos encontraríamos no meio da rua, lá embaixo,
nos amaríamos pesadamente. teria um desfecho humilde e tenro nossa história.
mas você quis só pular.

quarta-feira, 24 de março de 2010

um dia eu vi um espírito ruim. ficou parado na minha frente, me encarando.
eu fiquei paralisado, um terror gelado. e aquela imagem não se movia , só me olhava,
me olhava, me olhava, me olhava.
eu tentei correr, tentei mover algum músculo, mas não consegui...
eu abri a boca, mas não saiu som. eu fiz muita força, senti as veias do meu pescoço se estufando:
"aaaaaa..." consegui gemer baixinho... meu corpo foi voltando ao normal aos poucos. aí eu consegui mexer meu braço. eu apontei pro espírito como se segurasse uma arma. e, não sei bem porque, gritei:
amor amor AMOR!
o espírito contorceu seu rosto horrível, mostrou os dentes amarelos com uma massa preta em volta e soltou uma gargalhada.
eu me senti tão fraco e humilhado. como se tivesse gastado a minha única bala e errado o alvo.
o espírito continuou ali me olhando me olhando me olhando.... até que eu passei a ignorar sua presença e agora já nem sei dizer onde ele está.
só que às vezes ainda ouço sua risada, quando vez ou outra eu tento

quinta-feira, 18 de março de 2010

entrou em casa e quase pisou numa esperança que já estava esmagada ali a dois passos da entrada.
verde vivo em migalhas arrastado no chão como se fosse cinza, como se nem fosse.
já estava acostumada a essa cena, se emocionou sem nem sentir, desviou e foi pro quarto.
a cama estava arrumada, colcha de riscos roxos, vermelhos, amarelos e ocre, ela adorava. caiu por cima com cara e peito...
uma vez falaram que ela cantava como se tivesse um pássaro morto na garganta. ela achou aquilo muito horrível, mesmo não entendendo muito bem o que isso queria dizer. e agora só cantava baixinho, antes de dormir. canções que libertassem o passarinho morto, que lhe dessem uma morte tranquila. ela inventava tudo na hora: mãe mãe olha a gota caindo da folha vamo esperar ela cair deita comigo no edredom quentinho, me faz carinho enquanto a gente olha ela cair.
o ritmo inexato com pausas longas e o tom livre. o pássaro saia devagaríssimo. ela tinha paciência. só tinha que livrar aquela inexistência de si.
dormiu algumas horas e acordou com sede. foi à cozinha beber um pouco de água. ao passar pela porta da sala, viu que tinham varrido a esperança. bebeu a água. sentiu que ia vomitar. abriu a janela da cozinha e voou.

quarta-feira, 3 de março de 2010

não sei porque você ainda me olha como se eu fosse uma armadilha
e ainda faz isso com seu rosto como se tivesse me sacado antes e se livrado
como se me entendesse mais do que eu e fosse muito superior por ter ganhado de mim.
mas eu nunca tentei trapacear ninguém. eu nunca nem tive dentes.
o que acontece é que eu estou sozinho desde você
esse seu olhar é como um leão rindo da cara de sua presa esfacelada na areia do deserto.

terça-feira, 2 de março de 2010

estou há um tempo à deriva e bebendo água do mar pra matar minha sede
eu sei, eu sempre soube, que isso só piora tudo
e piorou, e eu perdi a consciência
e a maré se aproveitou pra me engolir cada vez mais fundo
mas as alucinações cessaram
e eu tenho pouco tempo agora
não vou me conformar com a vida e esperar Iemanjá me amar nas ondas verdes
não...eu não nasci pra isso
nem tampouco vou esperar resgate
vou braçada por braçada chegar em algum lugar, mesmo que lugar nenhum
se eu morrer
vai ser tentando viver
e aí tudo bem.

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

o mundo preso na minha garganta.

estou andando por baixo dos blocos e das árvores na Asa Norte
vale dizer que tudo está o mais seco que Brasília pode deixar
e cada passo dado é acompanhado de uma percussão de estalos e rachados e quebrados
e eu me divirto com isso, sozinho, meu espírito ri como uma criança ri. (você sabe a diferença?)
eu não estou seco, eu não sou seco
eu sou do cerrado e tenho essa cortiça grossa e me protejo do fogo
mas porque meu dentro não pertence a lugar nenhum
tenho todos os líquidos e fluidos e seivas e sangues que existem, que coexistem em mim
uma infinidade de coisas que às vezes vêm todas de uma vez
e Brasília inteira me dói
talvez seja esse meu problema, ter tudo isso e querer ter idéia de tudo
e achar que algum dia eu vou encontrar resposta e vou saber o que sobra de mim depois do tudo, por baixo da sociedade, dos controles...
todo dia eu tenho esperado ansiosamente pela hora de dormir, sonhar é virar um espectro que ultrapassa todas as barreiras de si. e acordar é cair com a cara no chão.
engraçado, lembrei agora do dia quando eu era criança e pulei do barranco mais alto e ganhei a aposta. eu caí no chão e o mundo subiu por dentro dos meu pés, pernas, virilha, estômago, pulmões, garganta, parou. ficou. o mundo se entalou na minha garganta e eu não conseguia falar mais nada. abria a boca e fazia gritos ensurdecedores, mas nada saía. tinha ficado mudo , completamente , não dava pra ser mais desesperador. e olhava pra cara do meu irmão com os olhos arregalados querendo dizer tudo que eu não conseguia e ele me entendeu, porque éramos crianças e ele era meu irmão. corremos pra algum adulto que saberia exatamente como nos ajudar, tinha que saber. corremos pra sala de um. e ao pisar na sala eu falei: "socorro!" e a mulher me olhou assustada e aí tudo perdeu completamente o sentido, pareceu que nada existiu e não ia adiantar explicar porque ela e ninguém nunca ia acreditar, ia parecer invenção, invenção de criança, porque criança ri diferente e quase ninguém entende.
eu continuo andando. e vale dizer que não sei pra onde estou indo, eu estou só fugindo... de alguma coisa pequena, que de tão pequena eu esqueço o que é, esqueci.
eu sou triste, falo em voz alta baixinho: e u s o u t r i s t e
não sei se ninguém saberia a relevância disso. que a tristeza ilumina certas coisas e a gente acaba vendo certas muitas coisas que não sei se era melhor nao ver. mas sou o que eu sou, seja lá o que for, porque sou triste, e isso me deixa feliz, minha tristeza é consciente e me mantém forte e qualquer coisa pode vir porque nada será maior que ela, porque ela não tem razão, não tem nada que possa ser feito, nenhuma solução, por isso é infinita e forte e me sustenta. é minha amiga.
Foda é que ninguém quer levar o pacote completo, ninguém quer nos conhecer os dois, ninguém enxerga nós dois, nem todo mundo tem estômago pra isso e quando chega perto o bastante que possa ver essa minha...corre...
eu não tô bem, acho que não...e canto Caetano. canto, canto, canto...os estranhos passam olham e fingem que não olham...
You don't know me, bet you'll never get to know me...you don't know me at all! theres nothing you can show me from behind the wall, nothing you can show me!
Cansei... devia voltar, devia chegar lá de novo com um sorriso gigante... mas eu sei que ia ser um sorriso pesado de pedra e ninguém ia notar, ninguém ia gostar...
como é que eu consigo andar tanto sem ir pra lugar nenhum e nem sequer ter essa intenção? que porra de espécie de gente eu sou? porque diabos eu ainda acho que existem espécies de pessoas?
eu não sei, eu não sei... eu tô preso.
não tem como escapar, a gente simplismente não existe sem essas prisões. conforta pensar assim. conforta e congela, eu tô cansado, sério.
eu preciso de alguém, agora. preciso beijar alguém e depois pegar no rosto e olhar no olho e dizer alguma coisa, depois me enfiar na nuca e sussurrar alguma coisa qualquer e abaixar minha mão e enterrar minha mão, preciso me esconder em alguém...
mas alguma coisa me impede. algo desesperador. algo preso na minha garganta
alguém, por favor...alguém adulto...alguém que saiba o que fazer
alguém me dá alguma coisa que faça isso descer...
preciso engolir alguma coisa. preciso comer qualquer coisa. alguém?
Clarice Lispector é preciso comer Clarice Lispector é disso que eu preciso.

sábado, 20 de fevereiro de 2010

_last week a children was killed by a dog
i saw its face all painted with blood
oh! i do believe in dogs
but i don't believe in punishing gods.
Aí você só continuou me olhando sem entender, como se eu tivesse falado outra língua.
O cheiro de urina, o grafite no concreto, a cerveja, a cadeira de plástico, as nuvens da cor da fumaça do cigarro, as mesas ao redor, os carros do outro lado, as pedras no chão, as janelas dos apartamentos, os para-raios, o uniforme imundo do garçom, o relógio... tudo gritava DEUS ME LIVRE!

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

sonhei que eu fumava você. eu te enrolava no lençol e te acendia aí você já cabia entre meus dedos e você morria de rir quando eu te sugava e gritava puxa mais forte, puxa mais! e engasgava e ria mais ainda, eu soprava a fumaça mas aí ela saía da minha boca e de algum jeito entrava de novo no meu corpo, eu achei que aquilo ia ser infinito, mas aí uma hora em que eu já não estava pensando em mais nada e ria e puxava forte, queimei minha boca e te derrubei no chão. você desapareceu, eu procurei em todos os lugares. foi a maior angústia que já senti na vida. aí eu sentei no chão e chorei alto, juntei um pouco das cinzas que estavam em toda parte, esfreguei no meu peito e no meu rosto e acordei.
eu fui no banheiro, me olhei no espelho durante um tempo. meu rosto todo escorrido de lágrimas. parece que fiquei uns cinco minutos sem pensar absolutamente nada. aí o pensamento veio:
você está em mim.

o que ainda não chegou a ser

tinha esse muleque
terminando o que chamariam de primeira fase da sua vida
ele tinha essa inconstância
e tinha essa ânsia, essa ansiedade
por tudo que não tinha ainda...
mas que ainda teria, com certeza teria
e acabou por escrever milhões de palavras em homenagem a esse futuro
se tornou um amigo especial do erei, do arei, do irei,
do iria, do um dia, ainda um dia, do inseguro
ele tinha uma certeza enraizada num solo tão insólido,
que é o ainda-não-acontecido,
mas ele regava essa vida
ele rogava por vida
e ele esperançava
e o passado ele podia até ter esquecido, mas o futuro,
o futuro era eterno, e sempre será.
esse garoto tinha sonhos sem tamanho
tinha pensamentos que não caberiam em qualquer outro
ele era maior que seu corpo
...e por isso ele tinha a mim... pra se manter coeso
pra dividir o peso...
porque eu cabia nele e ele em mim
porque eu nao reclamava muito
eu gostava de estar ali,
eu guardava seus planos, suas miragens
era seu companheiro de viagens
eu o ajudava a arrumar as malas
era eu quem mantinha seu núcleo estável...
ele às vezes deitava na cama
às vezes deitava na grama
e deixava a porta aberta
deixava entrar
compartilhava comigo
o seu universo pessoal
me deixava vasculhar
os seus vazos mais internos
me alimentava de sua seiva
e eu ficava impressionado
com o sabor das infinitas possibilidades
com o novo mundo de novidades
que ele me mostrava, só pra mim
era extraordinário, ele era
apenas um garoto, e o fato é
que ele ainda é...
e eu sei que sem saber ele me ama
eu, eu tenho um sentimento diferente
não que seja menor, só diferente
é como uma fruta que não cai,
uma vida em stand-by,
um trem que apenas ainda não chegou,
não chegou a ser,
um amor nostálgico, mas que não tem tempo...
talvez por isso ele me entenda tão bem
talvez por isso, por ele eu me contento...
aaah, um dia eu ainda falo,
um dia ainda faço valer
tudo que esse muleque tem elaborado,
um dia ainda vou ver frutificar
a árvore que todo mundo falou pra ele não plantar...
e Deus sabe o quanto eu quero
e dentro desse garoto,
pacientemente,
eu espero...

domingo, 31 de janeiro de 2010

Estou ficando sem ar
estou fechado dentro do meu corpo
pois algo se ergue em mim
e você persegue e quer dar fim
quantos foram trancados
jogados no escuro de todos e quantos
meu deus, se convenceram de que
eram mesmo loucos?
Isso que em mim cresce
como que por rebeldia
erva daninha
que é tão só minha
mas que você arranca
estanca meu sangue
não vê? que cresce também em você?
porque fecha os olhos por dentro?
quantas mulheres com a tal histeria
meu deus, o que seria
de mim sem minha liberdade?
mesmo que tenha medo dela
mesmo que chegue tarde
mesmo que eu jogue pedras nas janelas das igrejas
que você edifica dentro de si
e ainda assim mantenha capelas dentro de mim
ainda que não saiba a hora de dizer sim
Deus, que ainda te chamo,
me livra dessas pessoas neblina
me livra do que a boa conduta ensina
Deus, para que me liberte enfim
quebra janelas em mim...

sábado, 30 de janeiro de 2010

eu te amo. quero matar essa frase.
afinal, o que é isso?
isso é uma maquiagem. batom de puta.
tenta deixar as coisas mais bonitas, mas elas não são.
quer dizer que preciso de você pra justificar a merda que eu me tornei depois desse tempo todo
ou quer dizer que quero trepar com você desesperadamente
ou quer dizer que me acostumei com você e tenho medo de sair
ou quer dizer que acho que você é só quem entende o que eu digo
ou quer dizer qualquer outra coisa...qualquer outro tipo de carência
mas amor?! que porra é essa?
afinal,  pra que sequer começaram com isso algum dia?
não faz o menor sentido essas cores todas que essa palavra carrega.
é tudo animal! é todo bruto, não é abstrato nem merda nenhuma. é carbono e.
mas eu sou gente e tudo, que nem todo mundo
aí quando tá tudo fudido na vida eu também rezo antes de dormir
aí eu também meto na cabeça que tenho que amar alguém
e vê. chego a amar. chego a sentir a porra toda! como um esquizofrênico vê demônios ou fadinhas ou o caralho a quatro. eu fico de quatro por causa dessa merda.
mas isso acaba aqui. não uso mais essa palavra. não acredito mais nisso, mudei de religião.
se quiser levar a puta, vai levar com ruga, pentelho e menstruação.

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

tem o que sou, o que pareço ser, o que gostaria de ser e o que não sou. e esses quatro vivem dançando, trocando de lugar, se misturando.
o que eu sou é de uma luz pálida e rápida, de modo que parece mais ser um espectro do que algo mesmo concreto.
o que pareço ser é um grande ator. com mil rostos e vozes e maquiagens. engana todos os outros. engana até mesmo o que eu sou, que nunca sabe se é, nunca sabe o que é.
o que eu gostaria de ser é um anjo amorfo que compreende todas as línguas, até mesmo as desconhecidas, tem cores fortes, mas sem violência. é quem dá a cadência da dança. causa inveja ao que pareço ser e dá vida ao que sou.
o que não sou é um ladrão. irmão do que pareço ser, mas um vigarista mafioso que se faz convencer pelo olhar. se ocupa de seduzir ou iludir, enganar quem está de fora da dança, desatento.
(quando tu acusas o que sou dessa maneira, estás na verdade falando do que não sou. Não vês a confusão que estás fazendo?)

quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

eu nasci nessa casa
nunca saí daqui
meus pais também
nasceram aqui
só depois de um tempo
que eu descobri
que essa casa guarda um segredo
e aí eu vi que as pessoas andam com medo
sempre têm um certo medo no olhar
mas parecem nem notar
um certo dia eu ouvi
vindo de dentro da parede
uma voz, atrás da parede
dizia que sentia muita sede
muita sede
e que tinha um segredo
e que tinha tanto medo
que às vezes esquecia
quem era, o que fazia
onde estava?
meu deus, minha casa
guarda um segredo
meus pais não sabem, ninguém sabe
quem esconde?
ninguém responde
a voz por dentro das paredes
eu nas grades da janela
da minha casa
bonita e amarela
ninguém sabe
ela guarda um segredo
por trás da parede, eu ouvi
eu tenho tanto medo
meu deus, tanto medo de descobrir.

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

tava tudo certo, você diria. tudo no seu devido lugar.
tudo bem comigo. tudo bem contigo. mas era mais do que isso.
_tem uma parede de medo que separa um vazio imenso
_do que você tá falando? eu não te entendo, sério!
queria poder dizer que bastava, que nada mais havia.
queria mesmo fechar a mão e nao querer pegar mais nada daquele momento,
porque deveria mesmo ser só isso, devia ser sim e ponto.
_esquece, nem eu me entendo.
mas de alguma forma eu queria bem mais do que isso.
a porta estava aberta, mas eu ainda batia, batia. e continuo batendo...