quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

as pausas da sua poesia são sempre o tempo de uma tragada no cigarro. esse foi meu último cigarro. eu quero fumar você.

domingo, 26 de dezembro de 2010

você não vai mesmo aparecer né, seu puto?
tirou um pedaço de papel da bolsa, arrancou parte do chiclete que estava preso na sola do sapato, uma leve tropeçada, continuou andando.
não conseguia deixar de sexualizar tudo e assim como uma lata de cerveja vazia morria de raiva.
queria ir embora da cidade. pra fazer falta. coisa ridícula. jogou o cabelo pra trás, continuou andando.
mas lembrou quando usava aquela blusa social azul marinho e o jeito que o pano socado na calça contornava sua barriga e como gostava daquela barriga e lembrou dos nós dos dedos e do lábio superior e de quando o convidou descaradamente e ele simplesmente...quis pegar o celular e ligar a g o r a
não, não, juvenil... os prédios ficam cada vez mais altos, a cidade está sem limites.
o sinal fechou
continuou andando.

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Elizabeth Bishop - One Art

One Art Elizabeth Bishop
The art of losing isn't hard to master;
so many things seem filled with the intent
to be lost that their loss is no disaster.

Lose something every day. Accept the fluster
of lost door keys, the hour badly spent.
The art of losing isn't hard to master.

Then practice losing farther, losing faster:
places, and names, and where it was you meant
to travel. None of these will bring disaster.

I lost my mother's watch. And look! my last, or
next-to-last, of three loved houses went.
The art of losing isn't hard to master.

I lost two cities, lovely ones. And, vaster,
some realms I owned, two rivers, a continent.
I miss them, but it wasn't a disaster.

-Even losing you (the joking voice, a gesture
I love) I shan't have lied. It's evident
the art of losing's not too hard to master
though it may look like (Write it!) like disaster.


Tradução de Paulo Henriques Britto

A arte de perder não é nenhum mistério;
Tantas coisas contêm em si o acidente
De perdê-las, que perder não é nada sério.
Perca um pouquinho a cada dia. Aceite, austero,
A chave perdida, a hora gasta bestamente.
A arte de perder não é nenhum mistério.
Depois perca mais rápido, com mais critério:
Lugares, nomes, a escala subseqüente
Da viagem não feita. Nada disso é sério.
Perdi o relógio de mamãe. Ah! E nem quero
Lembrar a perda de três casas excelentes.
A arte de perder não é nenhum mistério.
Perdi duas cidades lindas. E um império
Que era meu, dois rios, e mais um continente.
Tenho saudade deles. Mas não é nada sério.
– Mesmo perder você (a voz, o riso etéreo que eu amo) não muda nada. 
Pois é evidente
que a arte de perder não chega a ser mistério 
por muito que pareça (Escreve!) muito sério.
    
mais um dia a imaginar se fora do abismo que vejo na beira da minha cama monstros barrocos se debatem famintos de mim ou arquipélagos místicos me esperam em delícia.
meu lençol já foi capa, vela, pele, mortalha. e dentro já tremi de frio, já me encolhi de medo, já gritei de ódio.
sei que lá fora a tv está ligada, sei que a mesa está posta. sei que na rua um bando de pássaros se movem coletivamente para um lugar comum.
mas eu, pequeno esquizopríncipe inerte, vergonha da nobreza falida:
espero que me estupre, bárbara.
depois coma minha carne crua ou me jogue no lixo.
Poderíamos ter entrado naquela casa. tenho certeza de que estava abandonada.
poderíamos ter feito dela nossa. temos esse direito. é lei, sabia?
mas sabe que não adiantaria... é, pensando bem agora...
o que nos falta não é chão, nem teto. isso nós  temos demais até.
nos falta olhos e mãos e bocas e pernas e dentes. e isso ninguém dá pra gente não, amigo.
num sei nem se isso se planta. é outra coisa, que a gente mesmo faz com a gente.
deixa aquela casa lá onde ficou, né? vamos se fazer, amigo! vamos procurar!
vamos dançar na história.

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Henfil - Cartas da Mãe.

São Paulo, 9 de janeiro de 1980.
Mãe,
     Sem piadinha. Vou me abrir.
     Eu tenho acordado de uns seis meses para cá sem ânimo, sem esperança, sem vontade de brilhar, de lutar, de mudar a Lucinha, O Brasil, o mundo, o universo!
     Muitas noites eu não durmo, assombrado. Pensando assim: tô ficando velho, é isso. Talvez o pessoal odara tenha razão e eu já seja coisa antiga.
     Passo então a pensar angustiado em como enfrentar minha velhice tomando fortificantes, complexo B, mudando meu guarda-roupa.
     Bão.
     De repente eu percebi que o mano Betinho e a Maria também estão de farol baixo.
     Aí, anteontem, pego o jornal e vejo o resultado da pesquisa Gallup que dizia que 71% dos brasileiros estão pessimistas. Há uma epidemia de desânimo e impotência assolando o país nesse exato momento!
     O atual sistema, para governar, nos fez pessimistas. E pessimista não dorme, não faz amor, não faz partidos, não incomoda, não reclama, não briga.
     Que diabo de país é este?
Pessimistas de todo o Brasil, uni-vos! Somos a maioria! Às ruas!
Henfil

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

gosto de uma foto sua...
que vc ta deitado acho, com a mão em direção à camera assim
parece que ta chamando
e da mesmo vontade de ir

_é pra vir! rs
eu tava sem olho naquela foto
tava morto
tipo como tô agora
morto e feliz
tem gente que passa a vida inteira esperando ajuda.
a vida inteira
es pe ran do
ajuda

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

quando eu cheguei aqui, sabendo que era só mais uma prisão, não dei importância pras janelas. porque não queria alimentar outra fantasia e acabar levando um soco no estômago e uma pancada na cabeça.
e foi bem você que eu ignorei. loucura essa da sopa que eu me refogo. não consigo tirar esse gosto de mim.
tem que ter um salvador, tem que ter o sol listrado pelas persianas de manhã e etc. te ignorei por que sabia que te quereria e sabia que me diriam mais uma vez que era louco e sabia que me violariam tantos outros direitos que penso eu ter. mas tenho mais medo da surra. porque?
algo aqui já estava claro desde o início. não daria certo. loucura não tem cura. não adianta me amarrarem numa camisa social, num sapatinho de couro. porque quero meu corpo despido e tudo. e de preferência junto ao teu.

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

olha rodrigo, você é uma pessoa de caráter, dignidade, personalidade forte, atitude, íntegra e ética e ...realmente super sensacional, muito louvável. tá muito de parabéns.
mas não, rodrigo. não tenho vocação pra monumento tombado.
prefiro andar daqui até o inferno a ficar em pé, plantado, esperando o diabo.
vê? que eu não posso, depois de quebrar meu espelho em incontáveis cacos e gritar aos sete ventos que quero mais, sentar minha bunda nessa porra de poltrona e sorrir assim largo por ser um indivíduo. que isso!
eu quero evaporar, rodrigo. quero me misturar nas coisas todas, que são e não são.
você é uma estátua linda, rodrigo. mas eu queria te quebrar inteiro. e ia acabar sendo preso. sempre acabam dando um jeito de prender a gente, né. acho que você sabe... ou nem sabe. imagina! não há morte pior.
não caibo nessa vida, rodrigo. é só isso... mas não se preocupa comigo.
não tem problema não, viu? se um dia você aprende a respirar, você acaba me engolindo.
Abraços.
quando eu fiz tudo aquilo, eu só queria saber se você apanhava um peixe que tivesse pulado da água do aquário pro chão, um peixe que renegasse a água... queria saber se você jogava o pobre de volta no vidro ou se apenas olhava fundo nos seus olhos esbugalhados e dizia: te amo.

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

desceu as escadas rumo ao cárcere do desejo. a cada degrau tirava uma peça de roupa.
não era exatamente frio, mas tremia. não era o clima, era o dentro.
quantas vezes prometeu jamais voltar àquele lugar. e já fazia muito tempo mesmo.
mas não conseguia ignorar por completo que ali embaixo residia algo vivo.
a pressão la embaixo era absurda: respirava mal, andava curvado.
em parte queria não achar nada, não queria ver um cadáver, mas queria que estivesse morto.
mas sabia que não, não morreria. sentia o cheiro da fome.
ficando quente, quente, insuportável.
tapou os olhos, não quis ver sua cara. seu odioso! seu débil!
deixou um copo de água. que o mantinha vivo, mas fraco, e limpo.
de olhos fechados estendeu os braços pra frente, tateou o ar por instantes
sentiu que algo se movia em sua direção, a barriga tremeu, a perna falhou
vontade, vontade e medo, e ódio. seu doente! seu fraco!
correu de volta o mais rápido possível, subiu as escadas de dois em dois degraus.
quando chegou lá em cima, uma luz perfurante
esqueceu que estava nu no meio da amplidão
a luz queimava a pele.
não conseguia enxergar mais nada
só queria voltar, só queria chão, queria baixo
queria sujo, queria vontade, escuridão.

(david wojnarowicz)