quarta-feira, 24 de março de 2010

um dia eu vi um espírito ruim. ficou parado na minha frente, me encarando.
eu fiquei paralisado, um terror gelado. e aquela imagem não se movia , só me olhava,
me olhava, me olhava, me olhava.
eu tentei correr, tentei mover algum músculo, mas não consegui...
eu abri a boca, mas não saiu som. eu fiz muita força, senti as veias do meu pescoço se estufando:
"aaaaaa..." consegui gemer baixinho... meu corpo foi voltando ao normal aos poucos. aí eu consegui mexer meu braço. eu apontei pro espírito como se segurasse uma arma. e, não sei bem porque, gritei:
amor amor AMOR!
o espírito contorceu seu rosto horrível, mostrou os dentes amarelos com uma massa preta em volta e soltou uma gargalhada.
eu me senti tão fraco e humilhado. como se tivesse gastado a minha única bala e errado o alvo.
o espírito continuou ali me olhando me olhando me olhando.... até que eu passei a ignorar sua presença e agora já nem sei dizer onde ele está.
só que às vezes ainda ouço sua risada, quando vez ou outra eu tento

quinta-feira, 18 de março de 2010

entrou em casa e quase pisou numa esperança que já estava esmagada ali a dois passos da entrada.
verde vivo em migalhas arrastado no chão como se fosse cinza, como se nem fosse.
já estava acostumada a essa cena, se emocionou sem nem sentir, desviou e foi pro quarto.
a cama estava arrumada, colcha de riscos roxos, vermelhos, amarelos e ocre, ela adorava. caiu por cima com cara e peito...
uma vez falaram que ela cantava como se tivesse um pássaro morto na garganta. ela achou aquilo muito horrível, mesmo não entendendo muito bem o que isso queria dizer. e agora só cantava baixinho, antes de dormir. canções que libertassem o passarinho morto, que lhe dessem uma morte tranquila. ela inventava tudo na hora: mãe mãe olha a gota caindo da folha vamo esperar ela cair deita comigo no edredom quentinho, me faz carinho enquanto a gente olha ela cair.
o ritmo inexato com pausas longas e o tom livre. o pássaro saia devagaríssimo. ela tinha paciência. só tinha que livrar aquela inexistência de si.
dormiu algumas horas e acordou com sede. foi à cozinha beber um pouco de água. ao passar pela porta da sala, viu que tinham varrido a esperança. bebeu a água. sentiu que ia vomitar. abriu a janela da cozinha e voou.

quarta-feira, 3 de março de 2010

não sei porque você ainda me olha como se eu fosse uma armadilha
e ainda faz isso com seu rosto como se tivesse me sacado antes e se livrado
como se me entendesse mais do que eu e fosse muito superior por ter ganhado de mim.
mas eu nunca tentei trapacear ninguém. eu nunca nem tive dentes.
o que acontece é que eu estou sozinho desde você
esse seu olhar é como um leão rindo da cara de sua presa esfacelada na areia do deserto.

terça-feira, 2 de março de 2010

estou há um tempo à deriva e bebendo água do mar pra matar minha sede
eu sei, eu sempre soube, que isso só piora tudo
e piorou, e eu perdi a consciência
e a maré se aproveitou pra me engolir cada vez mais fundo
mas as alucinações cessaram
e eu tenho pouco tempo agora
não vou me conformar com a vida e esperar Iemanjá me amar nas ondas verdes
não...eu não nasci pra isso
nem tampouco vou esperar resgate
vou braçada por braçada chegar em algum lugar, mesmo que lugar nenhum
se eu morrer
vai ser tentando viver
e aí tudo bem.