quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

o mundo preso na minha garganta.

estou andando por baixo dos blocos e das árvores na Asa Norte
vale dizer que tudo está o mais seco que Brasília pode deixar
e cada passo dado é acompanhado de uma percussão de estalos e rachados e quebrados
e eu me divirto com isso, sozinho, meu espírito ri como uma criança ri. (você sabe a diferença?)
eu não estou seco, eu não sou seco
eu sou do cerrado e tenho essa cortiça grossa e me protejo do fogo
mas porque meu dentro não pertence a lugar nenhum
tenho todos os líquidos e fluidos e seivas e sangues que existem, que coexistem em mim
uma infinidade de coisas que às vezes vêm todas de uma vez
e Brasília inteira me dói
talvez seja esse meu problema, ter tudo isso e querer ter idéia de tudo
e achar que algum dia eu vou encontrar resposta e vou saber o que sobra de mim depois do tudo, por baixo da sociedade, dos controles...
todo dia eu tenho esperado ansiosamente pela hora de dormir, sonhar é virar um espectro que ultrapassa todas as barreiras de si. e acordar é cair com a cara no chão.
engraçado, lembrei agora do dia quando eu era criança e pulei do barranco mais alto e ganhei a aposta. eu caí no chão e o mundo subiu por dentro dos meu pés, pernas, virilha, estômago, pulmões, garganta, parou. ficou. o mundo se entalou na minha garganta e eu não conseguia falar mais nada. abria a boca e fazia gritos ensurdecedores, mas nada saía. tinha ficado mudo , completamente , não dava pra ser mais desesperador. e olhava pra cara do meu irmão com os olhos arregalados querendo dizer tudo que eu não conseguia e ele me entendeu, porque éramos crianças e ele era meu irmão. corremos pra algum adulto que saberia exatamente como nos ajudar, tinha que saber. corremos pra sala de um. e ao pisar na sala eu falei: "socorro!" e a mulher me olhou assustada e aí tudo perdeu completamente o sentido, pareceu que nada existiu e não ia adiantar explicar porque ela e ninguém nunca ia acreditar, ia parecer invenção, invenção de criança, porque criança ri diferente e quase ninguém entende.
eu continuo andando. e vale dizer que não sei pra onde estou indo, eu estou só fugindo... de alguma coisa pequena, que de tão pequena eu esqueço o que é, esqueci.
eu sou triste, falo em voz alta baixinho: e u s o u t r i s t e
não sei se ninguém saberia a relevância disso. que a tristeza ilumina certas coisas e a gente acaba vendo certas muitas coisas que não sei se era melhor nao ver. mas sou o que eu sou, seja lá o que for, porque sou triste, e isso me deixa feliz, minha tristeza é consciente e me mantém forte e qualquer coisa pode vir porque nada será maior que ela, porque ela não tem razão, não tem nada que possa ser feito, nenhuma solução, por isso é infinita e forte e me sustenta. é minha amiga.
Foda é que ninguém quer levar o pacote completo, ninguém quer nos conhecer os dois, ninguém enxerga nós dois, nem todo mundo tem estômago pra isso e quando chega perto o bastante que possa ver essa minha...corre...
eu não tô bem, acho que não...e canto Caetano. canto, canto, canto...os estranhos passam olham e fingem que não olham...
You don't know me, bet you'll never get to know me...you don't know me at all! theres nothing you can show me from behind the wall, nothing you can show me!
Cansei... devia voltar, devia chegar lá de novo com um sorriso gigante... mas eu sei que ia ser um sorriso pesado de pedra e ninguém ia notar, ninguém ia gostar...
como é que eu consigo andar tanto sem ir pra lugar nenhum e nem sequer ter essa intenção? que porra de espécie de gente eu sou? porque diabos eu ainda acho que existem espécies de pessoas?
eu não sei, eu não sei... eu tô preso.
não tem como escapar, a gente simplismente não existe sem essas prisões. conforta pensar assim. conforta e congela, eu tô cansado, sério.
eu preciso de alguém, agora. preciso beijar alguém e depois pegar no rosto e olhar no olho e dizer alguma coisa, depois me enfiar na nuca e sussurrar alguma coisa qualquer e abaixar minha mão e enterrar minha mão, preciso me esconder em alguém...
mas alguma coisa me impede. algo desesperador. algo preso na minha garganta
alguém, por favor...alguém adulto...alguém que saiba o que fazer
alguém me dá alguma coisa que faça isso descer...
preciso engolir alguma coisa. preciso comer qualquer coisa. alguém?
Clarice Lispector é preciso comer Clarice Lispector é disso que eu preciso.

sábado, 20 de fevereiro de 2010

_last week a children was killed by a dog
i saw its face all painted with blood
oh! i do believe in dogs
but i don't believe in punishing gods.
Aí você só continuou me olhando sem entender, como se eu tivesse falado outra língua.
O cheiro de urina, o grafite no concreto, a cerveja, a cadeira de plástico, as nuvens da cor da fumaça do cigarro, as mesas ao redor, os carros do outro lado, as pedras no chão, as janelas dos apartamentos, os para-raios, o uniforme imundo do garçom, o relógio... tudo gritava DEUS ME LIVRE!

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

sonhei que eu fumava você. eu te enrolava no lençol e te acendia aí você já cabia entre meus dedos e você morria de rir quando eu te sugava e gritava puxa mais forte, puxa mais! e engasgava e ria mais ainda, eu soprava a fumaça mas aí ela saía da minha boca e de algum jeito entrava de novo no meu corpo, eu achei que aquilo ia ser infinito, mas aí uma hora em que eu já não estava pensando em mais nada e ria e puxava forte, queimei minha boca e te derrubei no chão. você desapareceu, eu procurei em todos os lugares. foi a maior angústia que já senti na vida. aí eu sentei no chão e chorei alto, juntei um pouco das cinzas que estavam em toda parte, esfreguei no meu peito e no meu rosto e acordei.
eu fui no banheiro, me olhei no espelho durante um tempo. meu rosto todo escorrido de lágrimas. parece que fiquei uns cinco minutos sem pensar absolutamente nada. aí o pensamento veio:
você está em mim.

o que ainda não chegou a ser

tinha esse muleque
terminando o que chamariam de primeira fase da sua vida
ele tinha essa inconstância
e tinha essa ânsia, essa ansiedade
por tudo que não tinha ainda...
mas que ainda teria, com certeza teria
e acabou por escrever milhões de palavras em homenagem a esse futuro
se tornou um amigo especial do erei, do arei, do irei,
do iria, do um dia, ainda um dia, do inseguro
ele tinha uma certeza enraizada num solo tão insólido,
que é o ainda-não-acontecido,
mas ele regava essa vida
ele rogava por vida
e ele esperançava
e o passado ele podia até ter esquecido, mas o futuro,
o futuro era eterno, e sempre será.
esse garoto tinha sonhos sem tamanho
tinha pensamentos que não caberiam em qualquer outro
ele era maior que seu corpo
...e por isso ele tinha a mim... pra se manter coeso
pra dividir o peso...
porque eu cabia nele e ele em mim
porque eu nao reclamava muito
eu gostava de estar ali,
eu guardava seus planos, suas miragens
era seu companheiro de viagens
eu o ajudava a arrumar as malas
era eu quem mantinha seu núcleo estável...
ele às vezes deitava na cama
às vezes deitava na grama
e deixava a porta aberta
deixava entrar
compartilhava comigo
o seu universo pessoal
me deixava vasculhar
os seus vazos mais internos
me alimentava de sua seiva
e eu ficava impressionado
com o sabor das infinitas possibilidades
com o novo mundo de novidades
que ele me mostrava, só pra mim
era extraordinário, ele era
apenas um garoto, e o fato é
que ele ainda é...
e eu sei que sem saber ele me ama
eu, eu tenho um sentimento diferente
não que seja menor, só diferente
é como uma fruta que não cai,
uma vida em stand-by,
um trem que apenas ainda não chegou,
não chegou a ser,
um amor nostálgico, mas que não tem tempo...
talvez por isso ele me entenda tão bem
talvez por isso, por ele eu me contento...
aaah, um dia eu ainda falo,
um dia ainda faço valer
tudo que esse muleque tem elaborado,
um dia ainda vou ver frutificar
a árvore que todo mundo falou pra ele não plantar...
e Deus sabe o quanto eu quero
e dentro desse garoto,
pacientemente,
eu espero...