“O principal problema com os
ciborgues é, obviamente, que eles são filhos ilegítimos do militarismo e do
capitalismo patriarcal, isso para não mencionar o socialismo de estado. Mas os
filhos ilegítimos são, com frequência, extremamente infiéis às suas origens.
Seus pais são, afinal, dispensáveis.”
Donna Haraway.
“Acho, por exemplo, que é crucial escrever frases que começam
com 'acho', mesmo correndo o risco de ser mal interpretada como adicionando o
sujeito ao ato. Não existe nenhuma forma de contestar esses tipos de gramáticas
a não ser habitá-las de maneiras que produzam nelas uma grande dissonância, que
'digam' exatamente aquilo que a própria gramática deveria impedir.” Judith Butler.
Na
capa, Corpos Informáticos Performance Corpo Política aparecem sem separações,
sem vírgulas, nem conectivos, o que me causa simpatia, por achar que no duro,
ou no doce, na agência da vida, essas separações não são práticas. Em volução (movimentos
não cartesianos, mas múltiplos e sensuais) a existência do corpo, em sociedade,
se (re)faz em performance, se (ne)grita em política. A todo momento. Estando em
foco, ou não. Coexistem.
Porém
a performance doce e repetitiva do mascar chicletes na parada de ônibus do
conjunto nacional não, a priori, causa nenhum choque, não perturba, não muda um
carro de sua direção automática diária. Trazer o duro, mas sem machucar, é o
que parece buscar essa performance em arte e flecha...
Sabendo-se
da arbitrária sombra branca fina e clássica que toca tão grande parte de nossa
realidade, sabendo dela e a desconhecendo, acusando-a e apontando-a com o dedo
meio torto. A intolerância que de onde vem, tão sujo, infectante e histórico,
ambições automáticas, violências externas internas, o cassetete, o
quebra-cabeça, os ismos, a amputação de tudo que é potencialmente maior e
anulador do capital e do(s) sujeito(s) sentado(s) em algum trono simbólico
qualquer. Me aparece uma moça, uma senhora, pintada de verde, compenetrada em
seu verde. É o esmalte que usa, são as ligações de carbono que possui, é o
valor de sua roupa, é o enlatado que comeu, mas que seja! Para aquilo e por
aquilo se faz inversa, cospe no prato que comeu, porque não gostou.
Como
é possível que Frankstein chore rios de lágrimas escondido, esperando que seu pai
restaure o paraíso, construindo sua parceira hétero e pouco reflexiva e
apaixonada? Temos em nós pedaços múltiplos de diversas partes de organismos e
organizações que talvez nem imaginemos(além dos que insistentemente batemos os
pés e queremos), e assim também, de tantos cânones e dogmas e sentenças
infinitamente verdadeiras que já foram desintegradas(dos) pelo raio laser, pelo
olhar de desprezo, pelo levante de milhares... Só podemos agora deixar os
lamentos para o velho mundo mesmo. A gênese por água abaixo leva junto o
apocalipse, não há castigo, não há fogo eterno. Equilibremos nossas tralhas
sobre a cabeça e dancemos!
O
corpo, o rosto, a expressão, foram de pouco em pouco, ou de muito em muito, não
importa, foram subjugados, diminuídos. Não sei na verdade se um dia o foram
totalmente libertos (ou o que isso significaria), mas vendo-os como nosso
território, nosso palco maior, pedestais de si, é (de)onde se faz, se diz, o
não. É onde se torce um nariz, se dá um dedo, é onde com a luz apagada se implode
uma igreja enorme sem que ninguém veja, por isso é perigoso, porque pode ser
que alguém resolva não apagar as luzes. E ninguém quer que aquele maravilhoso
prédio espelhado que custou milhões tenha suas estruturas abaladas por umas
seis ou sete bundas que têm algo a dizer. Não se quer ouvir. Não se pode
mostrar, a bunda. Mas o que ela faz ali? Já não foice o tempo de negar e
demonizar o próprio corpo? E além dele, a mesquinharia, a corrupção, as portas
trancadas, quem tem coragem de denunciá-las com o próprio umbigo, de vestir-se
com papel higiênico?
Há
algo a ser feito, por quem não se queda no habitual, no comumente aceito. Atear
fogo em tudo não deixa de ser uma opção, Hulk e Frankstein tiveram seus
momentos destrutivos. Mas a lanterna, aqui, aponta pra uma trilha bem menos
fatal. É se utilizar de cada parte que se sinta própria de si, se
instrumentalizar e se diluir, se mostrar, sair de qualquer armário, de qualquer
sala, de qualquer caixa, e se ser na rua, no aberto, no (quase utopia
do)público (pois que também as arquiteturas urbanas também foram diminuindo com
o tempo os espaços de todxs), levar por cores, formas, vozes, objetos,
invocações pueris, o que seja, a consciência, o pensamento ensaboado, para um
caminho, uma vez sequer, que seja esquizo, anômalo, anormal, que cause dúvida
se é cosquinha ou a prima dela, ou que arda dependendo de subjetividades mil.
Mas que se espalhe e inquiete.
Podemos
nos construir, a partir de conhecimentos, vivências, cicatrizes. Sabendo
digitar, sabendo programar. Hackers produzindo um bug. A carcaça de uma Kombi
fincada como uma flor neon no acostamento da L4 norte. O esgoto reverso. A
linguagem que cansa, reinventada. O que não deveria ser, mas é. Ali jogado,
cuspido, exposto. Algo que não se engole sem mastigar, doce ou não. Lindo lindo
lindo ou não. O que for vivo, o que tiver símbolos, o que se (si) quiser ser e
mostrar, sabendo-se fugidio e eterno e pequeno em partes e em partes gigante,
quiser dizer, será performance e poderá resultar em alívios, orgasmos, fagulhas,
risadas descontroladas, medo, negação, resultar em nada, mas terá sido uma vida
e uma tentativa.
A
arte, aqui, quer ser traição. E eu, como um eu, quero trair com todos os
contratos que (nunca) assinei. Chutar o pau da barraca? Chupar o pau da
barraca? Sambar na cara da sociedade. Quem não gosta de samba? Que venha dançar
também sua dança.
Posso
fazer aqui qualquer coerência barata, para ser lida e julgada. Porque essas
letras pretas impressas podem ser revertidas em valor e em um trâmite
burocrático me passar para um outro estágio de minha linear vida profissional. Mas
aqui, se reutilizando de espaço acadêmico, não acredito que seja isso que se
busque, e ainda que seja uma busca infinda. Se quer sentir com quantos sentidos
existam e explodam(-se). Não quero olhar de cima do monte Olimpo, não quero ser
olhado de cima do monte Olimpo. Porque em vez de escrever uma resenha, não
beijo Maria Beatriz de Medeiros?
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