domingo, 6 de dezembro de 2009

luz noturna no meio da infância

abriu todos os olhos no meio da escuridão de tudo e apertou as mãos na barriga e se agarrou com força para ter certeza de que tinha o sonho acabado por completo.
os olhos imensos abertos acostumaram-se com o que sobrava da luz que vinha da sala e refletia na cozinha e batia nas janelas do jardim de inverno e passava ínfima por baixo da porta.
se levantou. mas não sabia por que tinha se levantado. se sentou na beirada da cama. lembrou que tinha medo das madrugadas. sentiu que precisava ir ao banheiro. lembrou que tinha medo do barulho da descarga na madrugada.
deitou-se novamente e se cobriu por completo com o lençol de malha. era boa a sensação. era um carinho que se fazia ao mesmo tempo em todo o corpo. como se a malha fosse uma mão gigante compreensiva que encostava gentilmente a pele inteira. começou uma dança com os músculos da perna que entravam em cadência com a barriga e os ombros terminando todos por se juntarem num átomo compacto, um ser circular pequeno e conciso que tinha todas as partes tocadas. de um ser passava a um espectro. era algo fundo que estava protegido e sorria. sou uma malha roxa, uma malha leve. encontrava sua mão. pegou sua própria mão. para que assim se mantivesse meio em sonho, meio em si. sentia que era sua mão e era gigante. queria compreender tudo. algo novo. seria a única pessoa a saber, porque o resto do mundo dormia. e as mãos dançaram até o fundo do que era. e era algo desconhecido. uma caixa fechada. uma caixa de presente com um laço delicado rosado que os dedos foram desfazendo gentilmente, compreendendo cada volta da fita até que se desfizesse em nó que se abriu macio. tateando. tateando no escuro. o que guarda essa caixa? essa caixa, o que guarda de mim? o que abriga essa caixa? o que dessa caixa abriga em mim? que é dessa caixa que se abre e se fecha...se abre...se fecha? quando por causa do movimento, ou não, ou por causa da fase lunar, vieram duas fortes correntezas contrárias, duas ondas de dormência que se mexiam, que vinham dos joelhos e do umbigo. uma pororoca magnífica, que ainda não se sabia o que era, mas que transbordava e escorria pelos dedos. não se sabia o que era, mas sabia agora, que os dedos tinham ido à boca,era doce e salgado, era, de tão gostoso exaustivo, tanto que dormiu, sonhou e nunca mais voltou.

Um comentário:

Carol disse...

e, sei lá, eu adorei esse texto! você se sente no meio da noite também